Vespas: um grupo da
Unesp e da Universidade de Leeds, na Inglaterra, descobriu exatamente como a
toxina, chamada MP1, consegue abrir buracos exclusivamente nas células
cancerosas, destruindo-as
Fábio de Castro, do Estadão Conteúdo
São Paulo - O
veneno de uma vespa brasileira, Polybia paulista, contém uma poderosa toxina
que mata células de câncer, sem danificar células saudáveis.
Agora, um grupo de cientistas da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e da
Universidade de Leeds, na Inglaterra, descobriu exatamente como a toxina,
chamada MP1, consegue abrir buracos exclusivamente nas células cancerosas,
destruindo-as.
O estudo, publicado nesta terça-feira, 1, na revista científica
Biophysical Journal, poderá inspirar a criação de uma classe inédita de drogas
contra o câncer, segundo os cientistas.
De acordo com um dos autores do estudo, Paul Beales, da universidade
inglesa, a toxina MP1 não afeta as células normais, mas interage com lipídios -
moléculas de gordura - que estão distribuídos de forma anômala apenas na
superfície das células de câncer.
Ao entrar em contato com a membrana dessas células, a toxina abre
buracos por onde escapam moléculas essenciais para seu funcionamento.
Terapias contra o câncer que
atacam a composição de lipídios da membrana da célula seriam uma classe
inteiramente nova de drogas antitumorais.
Isso poderia ser útil para o desenvolvimento de novas terapias
combinadas, nas quais múltiplas drogas são utilizadas para tratar um câncer
atacando diferentes partes de suas células simultaneamente, disse Beales.
De acordo com outro dos autores, João Ruggiero Neto, do Departamento de Física
da Unesp em São José do Rio Preto, a Polybia paulista foi descoberta e descrita
pelo professor Mário Palma, da Unesp de Rio Claro.
Os cientistas já haviam estudado a toxina MP1 e sabiam que ela agia contra
micróbios causadores de doenças destruindo a membrana das células bacterianas.
Mais tarde, os estudos revelaram que a toxina é promissora para proteger
humanos de câncer e tem capacidade para inibir o crescimento de células de
tumores de próstata e de bexiga, além de células de leucemias resistentes a
várias drogas.
Até agora, no entanto, não se sabia como a MP1 é capaz de destruir
seletivamente as células tumorais, sem danificar as células saudáveis.
Desde que descrevemos a toxina do veneno dessa vespa, em 2009, sabíamos que
ela contém peptídeos com uma forte propriedade antibacteriana, funcionando como
um antibiótico potente.
Mais tarde, pesquisadores coreanos e chineses começaram a fazer
trabalhos com esses peptídeos sobre células de câncer e nós fomos estudar sua
ação em linfócitos com leucemia, disse Neto ao jornal Estado de S. Paulo.
Mecanismo
O grupo da Unesp confirmou então que as toxinas eram extremamente seletivas,
reconhecendo apenas os linfócitos leucêmicos, e não os sadios.
Eles começaram suspeitar que a explicação para essa seletividade tinha
relação com as propriedades únicas das membranas de células de câncer. Fomos
investigar o mecanismo, afirmou Neto.
Segundo ele, em membranas de células saudáveis, os fosfolipídios chamados PS e
PE se situam na membrana interna, voltados para o lado de dentro da célula.
Mas, nas células de câncer, os PS e PE ficam incorporados na membrana
externa, voltados para o ambiente em volta da célula.
Os cientistas testaram sua teoria criando membranas-modelo contendo PE e PS e
as expondo à MP1. Eles utilizaram uma ampla gama de técnicas biofísicas e de
imageamento para caracterizar os efeitos destrutivos da MP1 sobre as membranas.
O resultado foi impactante: a presença de PS aumentava de 7 a 8 vezes a
quantidade de MP1 que se ligava à membrana.
A presença de PE, por outro lado, aumentava a capacidade da MP1 de
danificar rapidamente a membrana, aumentando o tamanho dos buracos de 20 a 30
vezes.
Formados em poucos segundos, esses poros são grande o suficiente para permitir
o vazamento de moléculas críticas para a célula, como RNA e proteínas.
O aprimoramento dramático da permeabilização induzida pela toxina na
presença do PE e as dimensões dos poros nessas membranas foram surpreendentes,
disse Neto.
Potencial
Em estudos futuros, os cientistas planejam alterar a sequência de aminoácidos
da MP1 para examinar como a estrutura da toxina se relaciona à sua função, a
fim de aprimorar sua seletividade e sua potência para propósitos clínicos.
Segundo Beale, entender o mecanismo de ação dessa toxina vai ajudar estudos
translacioais - isso é, pesquisa científica aplicada clinicamente - para
avaliar no futuro o seu potencial para o uso na medicina.
Como ficou demonstrado em laboratório que a toxina é seletiva para células de
câncer e não é tóxica para células normais, ela tem potencial para ser segura.
Mas mais trabalho será necessário para provar isso, afirmou Beale.
Tópicos: Câncer, Doenças, Unesp, Ensino superior
Nenhum comentário:
Postar um comentário